Ao narrar na 2ª pessoa, Calvino coloca o Leitor/Leitora como protagonista deste livro e para tais protagonistas não há tema melhor que a leitura. Vou traçar um esboço rápido do livro só para tentar analisa-lo melhor: na trama, o leitor começa a ler Se Um Viajante Numa Noite de Inverno de Calvino, mas de repente uma surpresa, ao chegar por volta da página 30 o livro volta para a página inicial, e continua se repetindo até o final, aparentemente, um problema da tiragem. O leitor indignado procura a livraria para fazer a reclamação, afinal quer conhecer o final da estória que se propôs a ler; o vendedor compreende e explica o problema com a edição e lhe entrega um outro livro que seria o livro de Calvino. Obviamente, o novo livro não é o de Calvino, mas outra estória totalmente diferente que prende o leitor, até que algo o obriga parar a leitura novamente. E assim o livro vai, composto de duas partes que se revezam: as aventuras do leitor em busca do final da sua estória, e as suas várias leituras interrompidas.
Durante e ainda ao final da leitura, o livro vai crescendo dentro do leitor, afinal o que autor queria nos contar ou melhor o que podemos compreender do livro; acho que há muita coisa, a primeira que podemos ver pelas aventuras do leitor é que a leitura não é uma atividade pacata, pelo contrário pode ser muito perigosa, pode nos levar por caminhos desconhecidos, mas também pode ser bem sensual, prazerosa, mas acima de tudo somos nós que decidimos até onde queremos ir. Outra interpretação é que a nossa vida é uma história que como toda boa história permite sua leitura, dessa forma nossas leituras são uma parte de nossa vida, assim como nossa vida nos diz como será nossa leitura (afinal pessoas diferentes jamais lerão o mesmo livro, suas vidas não permitem).
Porém, isso é apenas metade do livro. Há os capítulos iniciais dos livros que o leitor começa a ler, mas que são interrompidos. Isso pode frustrar alguns leitores, mas a leitura como a vida pode muitas vezes ser frustrantes. Contudo, se percebermos bem, os capítulos daqueles livros são completos em si, podem aparentemente não estarem finalizados, mas contam tudo o que a sua estória precisaria contar. Dessa forma cada capítulo funciona como um conto fechado, mas o mais interessante é que cada história diferente compõe um livro fechado, é como se todos os livros do mundo fossem um só, como se a leitura deles os inserisse no livro maior que é a nossa vida e assim eles são indissociáveis de todos os outros livros que já tenhamos lido. Ainda, nos diz também que muitas vezes basta algumas palavras para que o livro já valha a pena, que seu final é desnecessário (temos Kafka que nos comprova isto), assim se voltarmos a pensar que nossa vida é uma história, então talvez o que estes pequenos capítulos isolados e deslocados nos digam é que na vida as pequenas sensações são tão importantes quanto as grandes.
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Avaliado no Brasil em 12 de setembro de 2020
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