Principal avaliação crítica
3,0 de 5 estrelasPoderia ser muito melhor - Exposição de vários temas relacionados à origem do autoritarismo
18 de junho de 2019
Lilia Moritz Schwarcz apresenta ao público este novo livro contemplando análises acerca das raízes do autoritarismo brasileiro, as ideias difundidas que comprovariam a sua proposta de abordagem do tema e, sob a perspectiva da autora, forneceriam as bases para o presente "momento conservador".
Na introdução é possível perceber que a abordagem do tema reproduziu o conteúdo de outros livros conhecidos da autora. Adicionalmente, o livro é destinado a extrair da experiência histórica relatada sob um determinado olhar, as raízes de um autoritarismo brasileiro.
Com isso, a autora tece críticas sobre o momento atual do Brasil. Por isso, esse é daqueles livros que servirão melhor para os leitores de hoje do que para os analistas do futuro. Há uma clara pretensão de vincular as análises da autora ao momento vivenciado atualmente.
O primeiro capítulo trabalha sobre a questão da escravidão e do racismo. O tema é tratado com bastante agressividade pela autora, especialmente, no que concerne a exposição da persistência das diferenças sociais entre brancos e negros. A ferrenha defesa desenvolvida pela autora talvez desagrade a alguns leitores, já que há a apresentação da tese de que discursos conservadores atuais buscariam obstar avanços no campo das políticas voltadas a justiça social.
O segundo capítulo é dedicado ao "mandonismo", uma forma de concentração nefasta do poder nas mãos de poucos ao longo do tempo. O coronelismo é bem trabalhado neste capítulo. Críticas à famílias tradicionais na política - Sarney (Maranhão) e Ferreira Gomes (Ceará), por exemplo - são desenvolvidas ao longo do texto.
O terceiro capítulo consiste em uma brilhante exposição sobre o patrimonialismo. Uma análise robusta pela abordagem de fatos e menção de autores fundamentais para a compreensão da matéria - Weber, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. O livro poderia ser iniciado tranquilamente por este capítulo. O melhor do livro!
Leitura rica sobre o patrimonialismo e sem leituras apaixonadas pelo tema.
No quarto capítulo verifica-se uma ampla leitura sobre a história da corrupção no Brasil. Dos favores pedidos à coroa portuguesa na carta de Pero Vaz de Caminha até a operação Lava Jato, a autora analisa diversos episódios que confirmam tanto a ocorrência endêmica da corrupção no Brasil ao longo dos tempos, quanto a percepção e o cansaço da população em relação a convivência persistente com esse mal.
O capítulo sobre desigualdade social trata fundamentalmente sobre educação. Há uma breve análise comparativa entre os investimentos do Brasil no setor e aqueles realizados por outros países.
O sexto capítulo está divido em duas partes: a primeira trata perfunctoriamente sobre a questão da violência e a segunda sobre a questão do índio.
Certamente, alguns leitores tecerão críticas em torno do início desse capítulo, especificamente, em relação ao raciocínio da autora de que o aumento de armas compradas legalmente teria uma relação direta com a criminalidade. Pessoalmente, prefiro aquelas análises que verificam a procedência das armas envolvidas nos crimes do que simplesmente uma relação entre armas legais e crimes cometidos. Correlação não é necessariamente causalidade.
O capítulo dedicado a abordar a questão de raça e gênero reproduz o discurso absolutamente conhecido e preponderante. Se o leitor estiver na expectativa de argumentos novos ou exercícios silogísticos mais honestos, creio que apenas frustração será alcançada na leitura desse capítulo.
A autora chegou a relacionar a ascensão no mercado de trabalho da mulher a elevação dos casos de feminicídio. Deixo de tecer maiores considerações por aqui....
O oitavo capítulo representou um retorno à lucidez típica da autora, na medida em que a intolerância é identificada como um problema nacional, com crescente repercussão e influência sobre o comportamento das pessoas, de modo que a atualidade tem demonstrado que a aversão ao outro representa um ataque aos sustentáculos do Estado de Direito.
Em resumo: trata-se de um livro muito bom no que concerne ao mandonismo, patrimonialismo, corrupção e a intolerância. Os demais capítulos assumiram um tom muito distinto do restante da obra, de modo que as afirmações agressivas e análises pouco aprofundadas – algumas muito apaixonadas – criam certa desconfiança em torno da coesão e do propósito do livro.
Por vezes a análise histórica está presente; em outros momentos, a dedicação é mais evidente na crítica ao momento conservador e ao atual governo.
O livro é interessante, mas não é nem de perto a melhor obra da autora!