Principal avaliação positiva
4,0 de 5 estrelasUma pena joia, delicada e cruel
1 de novembro de 2018
Ishiguro é sempre um autor interessante e que se desafia sempre a escrever romances em estilos diferentes. Aqui, ele faz o seu ‘romance japonês’, que como as obras japoneses, abusa do jogo entre luzes e sombras, em que as coisas nunca são apresentadas diretamente, mas por meio de um denso filtro de névoas, em que nem sempre é fácil compreender o que se está passando. É o caso aqui. E às vezes, isso pode ser bem exasperante, na medida em que pouco efetivamente é dito de maneira clara.
A estória é contada pelo próprio protagonista. O plot é razoavelmente simples. Em fins dos anos 1940, Masuji Ono é um pintor aposentado, cuja filha mais nova, já com 26 anos, está com certa dificuldade em encontrar um marido e no ano anterior um pretendente desistiu dela de maneira um tanto surpreendente. A mais velha é casada e tem um filho de 8 anos. Aos poucos, a conta-gotas, vamos descobrindo que Ono foi um pintor famoso e prestigiado durante os tempos do Japão imperialista e nacionalista. Sua mulher foi morta por bombas quase no final da guerra e seu filho Kenji foi morto na Manchúria. Além disso, há uma tensão no ar. A velha guarda – da qual ele de alguma parte fez parte – é vista pelos mais jovens como a culpada pelas desgraças que se abateram sobre o país. Muitos dos mais velhos foram presos, condenados; alguns se suicidaram. Há, pode perceber, um acerto de contas com o passado, que pode ser para alguns um peso muito grande. E ao longo do livro, Ono vai intercalando ações no presente com o seu passado, com o qual de alguma forma de defronta. Enquanto o velho Ono parece ser um bom sujeito preocupado com o futuro das filhas, pode-se ver que o jovem Ono foi uma pessoa bem diferente, que se aproveitou das possibilidades abertas pelo antigo regime ao mesmo tempo em que fez coisas reprováveis, como denunciar o seu melhor pupilo por atividades anti-japonesas. Certamente um artista talentoso, mas também um oportunista que aproveitou as chances oferecidas por um regime autoritário e que no final das contas tem pouco – se é que realmente tem algum – remorso pelo passado. Um livro instigante sobre os artistas e o seu relacionamento com o mundo da política.